sexta-feira, 30 de julho de 2010

Solidão

Há algumas horas atrás, em algum ponto da cidade, em alguma fração da noite, eu andava pelas ruas dessa cidade que durante o dia é cinza e durante a noite é alaranjada.

Andava indo pra um lugar que não gosto. Onde o ar é pesado e meus pulmões parecem inalar algo pior que toda essa nicotina que me acompanha. Andava e ficava falando comigo mesmo. Falando longos solilóquios que poderiam ser comparados a grandes romances e a pequenas, e ridículas, indagações de alguém que será esquecido. Tinha saído de uma festa de aniversário, havia um grupo de pessoas lá. Me perguntei se daqui a dez anos alguns deles vão se lembrar de mim. Acredito que não. Poucos. Talvez um. Talvez dois no máximo. Para esses talvez eu fique na memória, numa parte restrita da lembrança deles. Para o resto eu serei o resto. Um fiapo no meio da trajetória deles. Apenas uma pessoa no meio de poucas fotos em que apareço.

E penso em que se lembra de mim, e de quem ainda me guarda no peito com tanto zelo e admiração. Retorno então às poucas pessoas que ainda suportam os meus erros e minha difícil personalidade. E, recortando mais, chego àqueles que me colocaram no mundo, primeiramente. Eles que me desculpem, mas me colocaram nesse mundo, repleto de tédio e estupidez, mas também de delícias e tantas formas de poesias. Agora vou viver! Não quero que travem uma guerra contra mim me impedindo o mínimo de liberdade, a um ser que não existe. Sim, não existo. Estou morto, não confie em minhas palavras, pois vocês terão muito que dizer, para eu acreditar em uma frase sua.

Sou jovem demais para não saber de tudo. Sou um cretino distribuído em várias máscaras audaciosas. Tente me decifrar, não tenha pressa, a noite é bem longa. Longa mesmo.

E então os rostos caem. Pois o choro dela me atingiu. Ela colocou em cena toda a sua tristeza, todo o seu medo – um claro momento de despojamento total – bem em frente dos meus olhos secos. Para onde eu poderia ir? Para onde eu poderia ir? Não haveria lugar. O corpo dela estava sentado, coluna ereta, mão juntas no vazio entre as pernas, os pés entrelaçados com apenas o pé direito tocando o chão. Não havia ação exterior. Mas a respiração estava agindo, e só ela já me tocava. A fala vinha de algum lugar, mas esse lugar não conheço, não posso afirmar como aquela voz surgiu. Era uma voz viva que tocava a morte. A morte de tantas idéias, pensamentos, suposições. Mas colocava tantas outras em ação contínua.

Não queria estar ali.

Mas nessa condição, em que eu estava na rua de noite, só, não haveria situação melhor de paz.

‘As ruas vazias, poucas pessoas passando. Alguns carros rodam indo de lugar a lugar. A Lua lá em cima me provoca, sabe que pequei várias vezes sob seus olhares, e que muito a desejei como todas as minhas paixões impossíveis. E a rua está calma. Tudo tem um ar de calmo. Até as poucas janelas acessas dos prédios são calmas. Leves! Tudo é leve.

A fumaça entra em meu pulmão, trago mais duas vezes. Acendo outro cigarro. Agora só tenho um. Acabou.

Não há ninguém agora na rua. Não há ninguém me perturbando. Não sei as horas. Me perdi nos dias. E não sobraram verbos. Não existe interjeições possíveis para este momento. Estou em paz, comigo, com o mundo, com o todo.’

Pena que ao rever todos, todos daquele grupo, todos que me jogaram nesse mundo, me verão com o último olhar que me viram. Com tudo aquilo que deixei pra eles. Com tudo aquilo que fui nos últimos momentos. Mas não me verão, com os seus olhos, de quando eu estava na rua. Liberto. Despojado com a Lua, com a calçada, com o cigarro, com meus pensamentos, com a respiração fraca, com as mãos frias, arrumando o casaco...

Solidão. A solidão faz tudo tomar um valor maior.

Solidão em público.

Solidão de si mesmo.