sábado, 5 de novembro de 2011

Na terra de diamantes, cinzas e alguns caminhos

Pensar teatro hoje, entre milhões de pessoas, ou entre todas as cifras, tabus, intimações... enfim, pensar teatro é difícil. Vira e mexe vem a sensação de que da vontade de largar tudo. Aos mesmo tempo tem a sensação de que as coisas vão acontecer por si só. Basta trabalhar.

Mas não era isso que eu gostaria de escrever.
Na verdade iniciar um texto é como iniciar um novo caminho. Estou lendo "A terra de diamantes e cinzas" do Eugenio Barba. Ele falou que levou muito tempo para aprender que tem muitas coisas em que nós fazemos devemos nos abster de nós mesmos. Barba ao falar sobre a exaustão dos trabalhos no Teatro Laboratório de Grotowski (na época em que estagiou lá), para fazer os exercícios era preciso ficar vazio. Que era necessário, em muitas das vezes fazer algo pensando num ponto muito a frente, ou numa pessoa. Se esvaziar. Infelizmente agora eu escrevo esse texto sem o livro ao meu lado, pois poderia colocar exatamente o que ele falou. Mas é mais ou menos assim que ele gostaria de falar. Barba falou que muitas vezes fazia os trabalhos, as sessões de ensaios exaustivas, observações tediosas de algumas rotinas, em relação ao Grotowski. Claro que depois ele viu o que resultou daquilo tudo e como muitas coisas ali instalou dentro dele noções e forças para fazer teatro.
Acho interessante falar sobre isso, e maravilhado por ler esse livro nesse exato momento, porque tenho dentro de mim muitos momentos de estresse e raiva em minha rotina. Muitas vezes minha vontade de trabalhar é grande, mas as vezes alguma coisa acontece. As vezes sinto a vontade para expor algo, e extremamente culpado para pedir ou não fazer algo. Quando consigo conciliar algumas coisas as facadas aparecem. Não em mim mas no outro. Lacan fala daquele negócio de que: "o desejo é o desejo do outro'. E quando alguém gostaria o meu desejo?

"É melhor ser alegre que ser triste." Ou estressado. Ou com vontade de se impor para manter um discurso que é verdadeiro, mas paira na nossa realidade. O que vejo por todos os lados e cantos desse fazer teatral é discursos que, por mais fortes que sejam, sempre tem um ponto de contradição. E outro de rompê-lo. Rompê-lo no sentido de reiventá-lo.

Não sei, nada sei, são devaneios, pensamentos que exponho depois de muito tempo. Acho que o teatro está em crise sempre. E quem faz teatro também. Por mais romântica que a pessoa seja, ou que afirme que faz teatro, que é uma pessoa de teatro... tenho a certeza de que muitas vezes a crise no seu fazer teatral volta.

Porém como fazer teatro é o que nos move, nunca paramos.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

gostaria de escrever... mas não...
deixarei passar mais um pouco de tempo,
para que a palavra não queime como a pele
pois é assim que ando
queimando
queimando sem saber aonde a cinza vai parar
pois há muito vento
muito vento
descendo em curvas pelo firmamento
como um traço de van gogh
ou grito surdo na beira da praia

prometo que vou escrever
e prometo a mim mesmo
ao meu companheiro, meu corpo

por enquanto os olhos estão cansados
de olhar se vem carro dos dois lados interminavelmente

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Pós-Fausto: primeira voz

[lacuna 01]

O espaço era dominante. Chamativo e atraente. Mais imagens ali do que as palavras de um livro qualquer. Mas nenhum livro é um livro qualquer. Nenhuma imagem é qualquer e isso vale para o espaço. Grande! A primeira pergunta: Como fazer para eu não sumir aí no meio? Como fazer com o que eu não diminua?

Não pensar sobre isso.

[lacuna 02]

(procurar uma música para escutar)

As ações foram programadas para outra cena. Para outro lugar. Outro encontro. Modificadas. Adaptadas e exorcizadas novamente para esse espaço novo. Agora, somente eu. Sozinho. Queimando sozinho. Ou no mínimo tentando ser sincero. E, de repente, o espaço vai sendo preenchido. Vai se metamorfoseando. As imagens aparecem claras agora. Turbilhão de idéias. O corpo está fazendo o seu papel: capitão do mato, abrindo o caminho para o resto passar! O que é o resto? É tudo o que não sei falar. É tudo aquilo que na hora deixa de existir. A pele se rasga. Os órgãos se soltam e caem no chão. Os ossos balançam e caem como que jogados cova a dentro. O que é esse resto? Como dissecar essa ação? Como descrever uma ação que é viva no mesmo momento em que ela morre. Tão eterna como isso que era antes de eu escrever esse agora. Confuso? É efêmero. Só os vivos entendem. O espaço se torna pequeno depois disso. É preciso derrubar tudo para poder tocar a Lua.

[ lacuna 03]

O medo. O medo primeiramente deve ser reconhecido. Cercado, mas não atacá-lo de primeira. Deixa ele ali. Deixe ele saber que estás a espreita. Que tem a vontade numa mão e o problema na outra. Mas dependendo do tipo do medo. Sem ele você pode cair. Sem ele o frio não vai ter. Não vai ter a preocupação antecipada, o amor e delicadeza para uma certa ação. Sem o medo alguma coisa pode dizer que tudo vai sair bem. O pé tem que ficar atrás! Não há conforto! Não deve haver conforto! Deve haver uma clareza? Sim. Deve haver domínio? Sim. Deve haver entrega? Sempre! Mas enfrentar o medo te coloca em outra posição. Você anda diferente, fala diferente, olha de outra forma. Olha com raiva! Com vontade de abrir um buraco na parede com a voz. O medo te coloca em alerta! Em alerta! Pronto para ação. O corpo em estado de perigo e pronto para correr, fugir, atacar, esconder, se jogar...

[lacuna 04]

Deus está morto!
Ando descalço e meus pés são negros por causa da terra que piso.
Terra fresca... molhada da chuva... de choro!
Marcas desconhecidas, da entrada do cemitério até aqui, indicam que pessoas estiveram aqui recentemente.
Mas...(pausa longa)
Como fizeram isso? (pausa) Como matar um homem? (olha para as mãos longamente) Hein? O que fazer quando sentimentos tão nobres e violentos tomam conta de seu ser?
(baixa as mãos, olha para cima durante um tempo, olha para uma das velas ao seu lado)
Durante muito tempo dediquei o que havia de mais valioso em meu ser a uma única força.
Diante de tanta imensidão, minha fala encontrou-se abafada, minha visão encontrou-se turva, meus ouvidos eram tão inúteis como todo o conhecimento que gerei.
Mas assim mesmo me mantive intacto.
Mesmo assim, cada gota de suor era ingerida como dádiva minha.
Meu espírito era o que sobrava de mim... ou de você?
O que era de mim? O que me torna dono de mim mesmo?
Estou caindo num lugar onde não existe. Fim de começo.
(sopra todas as velas)
Existem coisas entre os meus eus que são universos de escuridão.
Sobre isso nada tenho que contar.
(pausa longo)
Aqui jaz Deus! Sangrou até a morte!
(silêncio)
Sou Fausto, e pouco me interessa o Diabo ou Deus.

[lacunas............]

domingo, 21 de agosto de 2011

Capricho

I

Os personagens se dão as mãos e mostram as nucas aos espectadores.

II

O ator desmancha o figurino. Fuma um cigarro pensando em morrer, no mais literal possível termo que existe. O ato não se cumpriu para ele. Dessa forma a morte é individual. É um suicídio por causa mínima. Não tão literal. Mas o ator está acabado e triste. O mundo poderia acabar com ele. Deveria.

III

De grandes momentos a destruição. Um pequeno mal entendido e o mundo desaba com toda a força possível. A fragilidade do palco é perigosa. A fragilidade do ator é desconhecida. Sua força é quase intercontinental. Abençoado pelos deuses mais cruéis da arte, o ator queima em qualquer chão ou tablado em que esteja. Mas ao cair é o vale sujo dos bastidores que o espera. E o espelho, que o tanto encara e mostra a imagem da derrota eterna.

Se viver é a maior das glórias, o que diriam de uma bela derrota? Capricho dos deuses!

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Brincadeira

A luz posta de maneira artesã num determinado ponto do espaço, revelado um ator de costas ao público subindo numa escada que leva ao nada. Do outro lado uma pequena luz revela pedaços de madeiras pregadas entre si. O cenário vai se tornando vida. O cenário foi ensaiado. Foi dramaticamente feito. Dramaticamente aqui se referindo como: posto em movimento, posto em ação. Vivo. Ele se contorce ao grito opaco e seco de um personagem que nasce para demonstrar loucura. Em seguida, o personagem morre. Naqueles metros quadrados agora, o personagem morre estático. O cenário agora é o cemitério dele. Quem passar por ali verá que houve vida em algum instante antes. Verá marcas de suor. Cortes de gritos e silêncios no ar. Os espectadores entraram sem saber o que veriam. E vão embora sem saber o que deixaram. O ator nada pode fazer. Vai embora deixando o espaço viver como ele deve. Carregando mais um fantasma em seu corpo. Brincando de Deus em mais uma noite. Assassinando mais uma noite. Não apenas um personagem, mas algo a mais. É perigoso. Em tempos antigos falaríamos de heróis ou de glórias, mas sem reconhecimento, sem medalhas. O ato por si só. Um ato total e vivo. Efêmero e agora morto. Impregnado na luz, impregnado na madeira, impregnado no escuro e no silêncio das cinco horas da manhã, onde os fantasmas brincam de ressurreição.

domingo, 17 de julho de 2011

Despenetrar

Talvez seja um pequeno devaneio de quem fica pensando na vida de ator. Talvez seja um pequeno olhar sobre essa forma efêmera de arte e tão ardente. Estudos e mais estudos, peças e mais peças, a arte de interpretar. Interpretar. Bom, sabemos que hoje o ator já não necessita estar interpretando um papel como o século 19, 18 ou outra coisa parecida. A coisa já ultrapassou esse limite. Fiquei pensando ao ler o texto do Novarina que ele diz que o ator deve ser dissecado em cena. Grotowski fala em autopenetração, o ator morrendo em cena num autosacrifício. Com todos respeito, o ator hoje não interpreta, talvez nem no máximo da interpretação ele também esteja fazendo isso. É um despenetração na verdade. Como dissecar um ator em cena? O ator em cena, o ator quando esta realmente em cena, não existe. Ele queima no primeiro segundo. Naquele primeiro segundo da cena que ele realmente sabe que não tem volta. Como dissecá-lo? Como dizer que ele está realizando um papel? Ele está deixando seu corpo livre. Não há pensamentos, barreiras que o impossibilita disso ou daquilo. Ele queima. No final o chão está preto, as paredes derretidas, nenhum resto de teto, o céu aberto sobre todos e o ator não se torna nem uma estrela, ele se torna alguma chama tão viva, mas tão viva que sua permaneça diante de nosso olhos não poderia seguir viva. Não conseguiríamos ficar olhando aquela chama arder eternamente, com metros e metros de fogo, fazendo nossa pupila rejeitar que os olhos fiquem abertos, o pulmão respirando um ar quente que paralisa os músculos do corpo deixando todos tensos...
A arte de se despenetrar. Deixar o corpo oco. Sair daqui, não estar nem lá. Ficar nem um pouco. Jamais. CSO?
Devaneio. Um pouco do que penso por agora. Falta isso. O corpo queimar e a chama tomar conta de qualquer lugar. Por maior que seja. Por maior que seja.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Eu como espectador

Não é um medo do desnudamento intelectual. Não isso.
Mas simplesmente uma irritação, um desconforto enorme que sinto com o fazer teatral que me rodeia. E esse fazer teatral, que aquilo falo, é a partir da visão de espectador. Dos últimos espetáculos e trabalhos que observei, a forma como elas foram apresentadas não me agradaram. Não as julgo tecnicamente. Há várias formas de teatros. Vários tipos de atores. E espectadores.
Como espectador a minha sede é imensa! Estamos em junho e apenas dois espetáculos me agradaram nesse ano. Dois. Penso se sou chato, ou exigente demais, ou que não sei ler... Mas não é isso. Algumas peças foram tecnicamente perfeitas, independente do seu gênero. Outras não cabe comentários. Mas esse vazio aqui dentro, esse vazio de espectador, essa gana por ver algo além continua. Necessito de uma chama, uma raiva, sangue nos olhos do ator em cena. Ele despertando o meu desconforto. Ele me desmascarando. Eu necessito de teatro, eu necessito ver "um ausente caminhando no tablado", uma morte em meus plenos olhos. Efêmero. Com toda a maldição teatral possível. Eu e meus colegas tentamos isso, mas não vejo nos olhos dos outros, no suor dos outros (suor é que há de menos), na pele, na sombra, no silêncio do espectador de olhos abertos e alma despedaçada.

Serei espectador em outras oportunidades ainda.
Ator em outras, e nessa função o trabalho é gigantesco e longo - e que agora não vou descrever nem falar.

Mas como espectador estou insatisfeito.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

010203

De repente os vi assim, assim... Cadê o gesto destruidor? Cadê aquele olhar recheado de cacos de vidros? A pele formigando, disparando objetos metálicos contra as nossas máscaras?
Cadê?
Os atores continuam mortos, Artaud. Não vejo eles. São reproduções que não exigem nem suor.
Nem suor!
SUOR!
A cara limpa no final, o corpo cheiroso, o público abrindo a boca fazendo música de sono, é isso?
Isso é teatro?

Meu caro, teus gritos impressos é mais rico, mais vivo...
Essa gente está destruindo as coisas. Me esforço para mim mesmo, para manter-me vivo, mesmo me escondendo às vezes, o vazio vai se enchendo aos poucos, só pelas beiradas, deixando o deserto no centro escuro e frio, mas vou queimando as bordas... e o resto? Meu caro, a coisa está feia...
O espaço vazio do tablado é maior que os atores. Há o que de sagrado e arte nisso?

Próxima página...

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Alpinistas

Inquietação estranha.
Não sei quantas perguntas e quantas dúvidas surgirão ainda. De certo é normal.
Mas de uma forma cruel tudo parece estar caminhando numa corda bamba molhda de sereno. É noite. Sempre é noite. O corpo nu treme diante de todos os olhos. E vem a água gelada no corpo quente. Fumaça. Fumaça e mais fumaça. Não é o corpo queimando, não é a santidade. Não sou digno, não para os olhos. Mas depois é cinzas. Agora é cinzas.
O corpo já fala por si só. Já não para e nem olha para os lados ao atravessar a rua. Os olhos, quase cegos, enfrentam faróis como quem procura algum degrau no abismo. O que se faz?
Dimensão utópica. Palco utópico. Falas e mais falas absurdas repelindo minha atenção.
Do outro lado, sentada e observando de pernas cruzadas, tocando o peito para não vomitar.
Aqui eu corro. Peito nu. Corpo nu. Jogado ao espaço e morrendo. Com o vento gelado cortando os pulmões, secando a garganta, amassando o cérebro. Suando frio. Sem saber de nada. Merda.
Aqui não tem volta.
E por aí?

domingo, 15 de maio de 2011

homem

a pergunta é:
até quanto o corpo dilata, pra tanta chama e poder que virá?
ou terá?
porque, pelo jeito isso irradia de alguma forma
pro mundo afora.

"Senhores!
Senhoras!
Restou a fumaça e esse cheiro de queimado.
É óleo de hemácias e fluído
- chamado aqui nesse tablado de: élan! -
sabemos disso,
podem rir.
Aliás...
o lugar de vocês é além da coxia.
Vocês tem a numeração no bilhete.
Cuidado!"

segunda-feira, 25 de abril de 2011

E ele, era completamente ele?

Ele voltou.
Para os pudicos e os canastrões significa perigo.
Ou uma atenção mais refinada. E falo para todos os cobertos de frescurinhas morais. Aliás! Como se bem sabe, o velho barbudo com o seu perfume de tabaco não quer muitas perguntas não, nem exclamações, talvez suposições e dúvidas. E uma coisa para se movimentar. Por completo.
Ele está voltando.
Com seus barris de cicuta!!!

domingo, 10 de abril de 2011

Acaso e ação

E no meio de uma leitura teórica, sobre como reger uma oficina... UMA AÇÃO.
Ela surge quase que do nada.
Acaso?
Citação:
'O que queremos dizer quando dizemos que alguma coisa ocorre por acaso?
Queremos dizer duas coisas que podem ser muito diferentes -
ou que não existe aí uma intenção ou que aí existe uma lei.'
Lacan.

Vou voltar a leitura.
Amanhã uma nova ação entra na partitura, por enquanto...

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Se eu fosse tentar saber qual porto é meu
Não haveria um como dizer nem pensar
Mas poderia dizer, que foi você que me mostrou
Que eu era barco, casado com o vento
Morando e crescendo nesse imenso mar.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Os alpinistas

Chove na montanha. Lá na base quatro homens levemente perdidos e com frio. Há entre eles, está pra chegar - foi subiu a montanha e está voltando - um homem que sabe, ou tenta mostrar, o caminho para chegar a esse primeiro topo. Ou melhor, a primeira base da montanha. Carregamos algumas coisas nas mochilas. Não sei direito o que meus colegas carregam. E quando eu abro a minha mochila nem tudo é possível ver. Há muita coisa. Pesa. Mas qual medida uso pra saber que isso realmente pesa? Talvez esteja envelhecendo nesse frio. Talvez algumas marcas estejam se firmando. Talvez isso seja errado. Talvez não. Talvez... talvez... Eu não conheço a montanha, acho que ninguém conhece, e acredito que nem sempre ela esteve aqui. E se ela ficar, cada dia vai mudar um pouco, ou crescer, ou ir para o lado, ou tomar um café e voltar, esperar na varanda que um outro alguém chegue...
Daqui o céu está nublado, há cerração, muito vento e frio. A previsão diz que o tempo vai abrir.
Mas dá pra se confiar no clima da montanha?

quinta-feira, 3 de março de 2011

Limite

Dentro desses dois meses, Janeiro até agora, machuquei-me fisicamente duas vezes. As duas vezes por que ultrapassei o meu limite corporal. Várias vezes, nesses três anos de teatro, me machuquei. Quase sempre, mas porque? Às vezes a culpa não é minha, é do momento e da entrega. Até acho legal um arranhão aqui, um pequeno corte ali, parece que volta a infância. Mas nesses últimos dias a coisa não foi legal não. Forcei tanto os braços e o peito, que os músculos dessas duas regiões incharam. Um uso abusivo e excessivo, num curto período de tempo, uma hora no máximo, fez com que passado três dias depois do treino eu não consiga tocar a cabeça com a mão esquerda e entrar num tratamento de injeção como medicação.
No Núcleo de Teatro andam falando que eu ultrapassei meu limite. Limite corporal. Surgiu perguntas: como conhecer o seu limite? Como conhecer o limite do outro? Como ter essa percepção? Bom, entra algumas intimações aqui e outras acolá, o que é normal.
Mas fiquei pensando se eu realmente tenho noção de meu limite. Me lembro de várias vezes no dia em que eu me machuquei, que eu fazia um exercício e os braços tremiam muito, ou eu parava de fazer, ou faltava força, ou o braço simplesmente travava. Mas continuei. Não é o corpo, é a mente travando. Isso agente lê por ai a reveria. Mas e na prática? Penso, depois dessas experiências, que realmente eu possa ter essa coisa na mente de ter que fazer algo, de cumprir uma missão como os velhos soldados. Por outro lado o limite não me intimida. Sei que pode me prejudicar, como agora - eu não posso ficar muito tempo no computador, por exemplo, que meus braços ombros e peito começam a cansar e doer -, mas mesmo assim, eu o enfrento. Do meu jeito, mas enfrento.
Talvez eu realmente seja Ícaro. Caindo trezentas vezes no mar, mil, mas que quando volta a superfície, a atmosfera já ficou para trás. Isso é perigoso por de mais, para mim mesmo.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Origens meu amigo

Voltar as origens.
Voltei a origens em mim mesmo. Numa outra situação meio indelicada ou indecisa, até infantil de minha parte - meu fígado sabe disso -, me mostraram uma de minhas origens: eu mesmo. Ou um dos meus eus. Foi legal eu reler e ver o que eu pensava um ano atrás, dois anos atrás, aqui mesmo neste blog. Algo que não lia e nem revia há muito tempo. Foi bom.
O que achava quase impossível aconteceu: renasci, por algumas coisas que eu mesmo escrevi e pensava. Estranho. Mensagem póstumas parecia.
Escrevo no blog agora por causa disso mesmo.
É preciso manter esses textos como parte minha, como processo. Como alimento e brasa.
Ainda não sei para onde as coisas vão ir, ou chegar. Mas Grotowski estava certo: na dúvida volte as origens. Descobri que faço parte de minhas origens também. O meu passado faz parte, o que pensava o que fazia, o que perdi, o que ganhei.
Um sincero e quase tímido obrigado.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

mefistófoles

agora flechas. raios suspensos na imensidão, caindo com toda pressa possível. cortes em minha pele, sangue molhando meus pés, encharcando o carpete que não existe. ossos a mostra. luz que me cega, tornando tudo opaco e sem vida. notas sem silêncios. vermes agarrados em meus dentes. uma língua afiada prestes a detonar seu próprio dono. nos dias de hoje sair de casa é como uma sentença barata e vulgar. cada noite uma vida e batalha perda. conto mortos pelo meu corpo para dormir. enforco meus sonhos para que eles não me iludam mais. sem ordem certa. os pés dançam. minhas mãos esfregam minha genital, um prazer seco, brutal e triste. dentes a mostra, mas falsos. falsos. tudo é falso e meus olhos aqui. meus pulmões negros e sem vida. costas se abrindo e doendo a cada centímetro. não sinto pena de mim. mas pena dessa vida. cabelos entupindo o ralo do banheiro. baratas pulando ao meu quarto, dividindo minha cama, beijando a sola de meu chinelo no meio da madrugada. socos involuntários. giros incontroláveis. gritos ao ar. todos os santos e mefistófoles se afastam de medo. uma alma se agride e se atira num buraco ao chão cheio de merda, chamem de vida se quiserem. milagres esquecidos. se eu não tivesse uma perna tudo seria diferente. um braço. uma arma. vendo minha Mente, meu pseudônimo, minha sombra, meus livros, meu nada e meu fígado. TrÊs ReAiS. Em troca dou todo o resto. Minhas leituras, piadas, sorrisos, exibicionismos, ereções, espirros, todos os textos. Qualquer coisa que eu faça agora e depois. em troca um motivo. um clarão. uma revolta. uma paixão. um sopro. um derrame. um AVC. qualquer coisa que me tire daqui. e me coloque num lugar melhor. mas você entende o que eu digo? estou caindo a meses. e quero um fim de uma vez.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Agora posso escovar os dentes...

Ele toma o último gole da cerveja. Amassa a lata e deixa em cima da mesa. Acende mais um cigarro. Tudo escuro. O ambiente é iluminado por uma televisão, ela esta muda, serve de luminária. Ele pega uma caneta e um pedaço de folha, uma espécie de panfleto em cima da mesa. Mas desiste de escrever nele. O cigarro fica pendurado em sua boca. Ele se observa. Toca ao fundo uma música lenta, uma música contemporânea lenta. Ele começa a escrever em seu corpo.

Todos, sem exceção alguma, um dia aprenderão. Após uma perda inesperada. Aprenderão. A revelação da resposta não será igual a todos. Não haveria porque. Cada qual com o seu buraco fedido.

Dormimos durante muito tempo. Isso me leva a infância. Onde éramos inocentes. E nem fazíamos questão, não havia experiência e nem cabeça, para perceber ou ter vergonha, ou essa fraqueza...

Um cão uiva triztemente e longamente na rua. Prende a sua atenção. Ele continua a escrever em seu corpo.

Nossa casa. Três camadas jogadas em todo a sua superfície. Aprenderemos sim. Mas o que?

Sempre preciso desse momento só. Cortante. É como se eu pisasse em cacos de vidros. Respirasse ácido sulfúrico. E meus olhos jorrassem enxofre líquido. Tudo isso, mais esse cheiro a fósforo queimado que emana dessas minhas camadas de pele.

O cigarro cai. Ele para de escrever. Começa a bater no sofá vermelho que esta atrás dele fortemente. Ele grita.

Séculos e séculos. Poetas estúpidos e profetas idiotas. Acham que sou um burro? Não conseguem enxergar? Também sou um palhaço nesse carnaval. Só. A vida corre lá fora, naquele fluxo maluco e destemperado. É cruel saber que todo o teatro agora não possui cor algum. Velhos malucos. Palhaço. Sem dó algum...

Ele para e sentado sobre os pés o corpo se inclina para trás e ele chora.

Não poderia ter dó. Nem tenho uma crença que eu possa pedir perdão, ou piedade. E nesse escuro do mundo, agora estou, onde tudo é triste, e os pilares são podres e qualquer transformação é mais uma ação errante... Não tem cheiros, não tem cores e nem lágrimas que me prendem...

Aqui?

Nisso.

Às vezes meu sorriso é tão sincero, tão vivo. Mas é passageiro. Sou turista. Mais uma mancha entre todo esse borrão que é o dia, a rua, as filas...

A geladeira abre e fecha. A janela é muda. O violão ressoa, mas o som vai longe, não acompanho. E sinto tanta falta daquelas besteiras, segredos ao ouvido, e xingamentos com aquela raiva antiga e maliciosa.

O choro cessa. Ele pega outro cigarro e acende. Se compõe. Pega o pedaço de papel e a caneta.

Desfilarei pela última vez. Absorvido com algo. Cambaleando. Até o topo. Até o fundo