quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Marlowe

Prólogo:

É meia-noite, mais ou menos. Não chove. Faz calor e ao mesmo tempo um vento frio aparece de vez em quando. Fausto está em seu escritório. Tudo dorme. Seu filho está na cama, sono inocente, mal sabe o quanto a vida pode fazer. Fausto e eu, você também, somos inocentes, mas sabemos disso. Fausto trabalha em mais um projeto. Mas ele para num momento. O vento se cessa. A luz da vela está quase no fim. Ele agora é íntimo do silêncio e da noite. Sente medo. Escuta um chiado longo. Parece vir de dentro de sua cabeça. Ele balança a cabeça e coça o braço esquerdo. Passa as mãos no rosto, tentando se acordar. Alguns ruídos vem da rua, outros do quarto ao lado, do vizinho, de dentro de seu corpo, de dentro da sua cabeça a sua própria voz que não para. É muito barulho. Ele se levanta, pega as chaves de casa, o seu palitó e sai pra rua.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Desencontro

Você deveria acreditar mais nas coisas. Eu sei no que devo acreditar e no que não devo. Digo isso como preocupação apenas. Não me venha com esses jogos, pois se realmente você se preocupasse comigo não estaríamos conversando sobre isso. Você é muito... Não venha com isso, eu não consigo dormir faz tempo, desde aquele dia, e então, agora, primeiro eu não entendo, porque?, assim do nada, ela veio no mesmo dia que aquilo aconteceu me falando da noite anterior com os amigos, ela tinha um sorriso invejável no rosto, os olhos brilhavam, e corpo estava elétrico, e depois, isso, isso tudo, esse o que na volta. Eu sei. Sabe... Eu percebi também ela veio falar comigo também, Laurinha tu não sabe o que me aconteceu ontem, e ela falava, ela me chamava de Laurinha quando estava alegra, e era sempre Laurinha que me chamava. Eu vou tentar dormir. Você não quer tomar alguma coisa? Já tomei, já li alguma coisa, tentei na verdade, liguei um pouco a televisão, mas não funciona... Precisamos dormir um pouco... Eu sei... É... Boa noite. Boa noite.

Os dois foram dormir. Não dormiram. Por dias não dormiram, por dias não voltaram a tocar no assunto. Fizeram bem.

domingo, 12 de dezembro de 2010

sobressaltos

Era um cigarro que se ia no silêncio.
Ao longe o céu se tornava azul, aos poucos, conforme o Sol morria.
Estava mais frio, era um inverno rigoroso, embora não se soubesse se era inverno ainda.
E esperava.
Se esperava.
Não havia muito o que se fazer.
Embora já era noite. Escuro e sem Sol algum. As sombras estavam vindo das montanhas.
As estrelas opacas eram os únicos seres a se manifestarem sem medo.
O silêncio era incomparável. (Acesso de tosse, quase inaudível)
Agora tudo era silêncio, tudo era sombra.
Estranho mesmo foi ficar sem medo e sem vontade de sair dali, daqui.
O que sei?
(Mais outra crise de tosse, inaudível)
(Senta-se no chão, ou o que se parece com ele)
Não posso falar de depois. Ou após. Seguinte.
Quando tudo se passou, eu voltei aqui. Pois aquele, este, lugar é meu, se tornou meu dono.
Mas logo depois de criar a intimidade, rompemos. E voltamos. Rompemos novamente. Cansamos é óbvio.
Tento prever, para passar o tempo nesse lugar inóspito, nesse ermo infinito escuro, indo para o pior.
(Crise de tosse, extremamente barulhenta)
Os minutos aceleram, e às vezes descansam. E já se ouve os passos lentos e precisos. Indesejada.
Triste ter que cair tantas vezes. Mas não posso partir.
Há corredores e mais corredores surgindo.
Não possui saídas. Possui, mas elas não param e nós não queremos entrar em nenhuma delas.
Precisamos nos poupar pois está frio.
E as cores vindas de gritos sem palavras, mas vinda de todos esfíncteres, ganham território pelo nada.
(Aqui caberia outra crise de tosse)
E corredores estão cheios de seres parecem terem vindo de todos os cantos, seres queridos, mortos.
Vivos na condição orgânica.
Livres, mas presos dentro dessa liberdade.
Me junto a eles? Mas eles estão parados?
Eu também estou.
(Sorriso)
O que foi isso?
O que?
Um sorriso!
Não entendo.