sábado, 25 de setembro de 2010

Vim da estrela norte, encontrando a vida e a morte

Viajávamos. Percorremos um caminho tão longo, que depois de chegar no lugar em que resolvemos parar, já havíamos esquecido da onde nós vínhamos. Colocamos nossa bagagem embaixo do banco, estávamos na beira da estrada, nos demos a mão, um beijo rápido mas profundo, nos abraçamos e, cansados pela viagem, fechamos os olhos e adormecemos por ali mesmo.
Depois de algum tempo, a água já tocava os nossos pés. Não havia sequer uma moedinha em nossos bolsos, não tínhamos nada para beber - a não ser a saliva de nossos beijos - e nem para comer. Mas havia em nossos corpos, e em nossos espíritos uma espécie de fonte energética, alimentícia, uma espécie de usina de energia nuclear, não sei o que era, mas nos deixava cada mais vivos, com o sorriso cada vez mais sincero e mais espontâneo. Com as sensações incontroláveis, os braços tremiam em cada abraço, e quando atravessávamos os campos - que existiam depois de uma hora caminhando na direção oposta da praia - as pernas pareciam querer correr por toda o vasto horizonte, e a sensação que nos tomava era que correríamos o mais rápido possível, quebrávamos recordes no anonimato, aplainávamos sobre todos os lagos, até os mais imensos, onde a vista se perde... E minha vista se perdia toda a noite. A beira da fogueira, nos tínhamos calor e proteção dos animais. Mas quando o fogo se apagava, nos tocávamos de uma forma, como se estivéssemos cegos pela primeira vez, ou como se fôssemos íntimos desconhecidos, amantes visionários, apaixonados de tão forma que a pele queimava (e parecia que o calor de nossos corpos causaria as mais terríveis queimaduras, mas não queimava a pele, mas a alma estava em combustão) e parecíamos duas estrelas no meio espaço, no meio do vazio, no centro de todo o nada desse mundo. E quando parávamos, quando o corpo ficava inerte, e os olhos se fechavam de fato, o mundo se tornava inocente de todos os crimes. O perdão reinava nos sonhos. O amor era a lei de todos os momentos. E eu e ela éramos os reis desse reino. E quando ainda era madrugada, e alguns pássaros começavam a cantar - não era a nossa língua de fato, mas havia tanta vida e entrega naquelas notas, naquele timbre, o doce movimento do som, era impossível não acreditar que realmente aquilo tudo não era um sonho, não estávamos mortos, e nem caminhando para lugar nenhum - nos acomodávamos um ao outro no lugar que escolhemos para deitar. Havia um som baixo quando agente dormia. A única coisa estranha era ter que acordar. Eu pensava que teria que fazer tudo o possível para não deixar esse tudo estragar o dia dela. Acordar num mundo que se suicida desde o princípio de tudo, onde não existe mais oi, com licença, como esta?, tudo bem, tenha um bom dia, desculpe, precisa de ajuda? Não, nada disso existe mais. Cada qual esta por si, cada monstro tem que escolher uma vítima por dia, é preciso computar o número máximo de mortos. É preciso anotar seus nomes, pisar sobre seus corpos, vomitar sobre seus túmulos e queimar toda o parente idiota e medíocre que derrama lágrima sobre o defunto. É preciso acima de tudo cuspir em cada rosto desses que se esfolam para apenas poder voltar vivo para casa, e descansar a cabeça depois de mais um torturante dia de trabalho. Alienados e mais alienados, todos nós! Perdidos em cada esquina. Com a cabeça encostada na janela do ônibus, pensando em ter um carro, uma casa bonita, uma família feliz que não passa fome e nem sede, que tem o que vestir e como estudar, e descer do ônibus com dificuldade, voltar a realidade, a essa injustiça sem tamanho. Terra da desonestidade. Da Injustiça. Da falta de oportunidade, da fome que mata e enlouquece, terra onde as pessoas são torturadas por que acreditam no que falam... terra maldita sem deus e nem diabo... terra fudida que cheira a merda e esta mergulhada num barril de sangue, sangue de nossas mãos assassinas e seguiremos assim, até o final de tudo, esse tudo que é sinônimo de nada...
Acordei estranho. Mas ao meu lado estava ela. Aqueles pensamentos ainda estavam vivos e olhei para ela com pena de que ela acordasse e voltasse a esse monte de nada novamente. Mas ela dormia bem, o rosto estava leve e sereno. Me senti bem. Ela iria acordar. E acordou. Isso sim melhorou o mundo. Até me esqueci do resto.

domingo, 19 de setembro de 2010

Que seja!

Por favor, é madrugada. Devemos falar baixo e não fazer coisas que causem barulho. Ao lado, como podes ver, esta o quarto dela. É o quarto dela desde que ela tem 8 anos de idade. Ela passou mais de três quartos da vida dela dentro desse ambiente. Não podemos abrir agora pois ela deve estar dormindo, algo que ela gosta muito de fazer. Mais na frente, temos o quarto da Vó. Ela esta meio velha agora, fala muitos palavrões e possui um enorme nojo de pessoas da cor negra, mas não tem como fazer ela mudar de opinião devido a sua idade avançada, mas mesmo assim ela possui um bom coração. Desse lado temos o banheiro. Não entraremos, pois devido a esses pequenos barulhos, o irmão mais novo deve estar se masturbando, prática que ele mantém desde os onze anos. E todos aqui na casa o fazem, tirando a Vó. Enfim, vamos agora ao quarto do lado, que é onde você vai dormir hoje. Não tem banheiro próprio, mas tem um pinico e um sino, caso aconteça algo de ruim com você, e pode acontecer, viu? Me chamo Madame Milde. Não me chame por qualquer coisa, pois acho uma falta de respeito e me estresso muito rápido com pessoas que não fazem parte do meu convívio social. A cozinha abrirá as sete da manhã, mas não impede de você ir lá daqui a pouco e beber um copo d'água. Mas lave o copo se você fizer isso. E por favor, não traga pessoas de fora da casa para dentro da casa. Não gostamos de dividir a comida nem o banheiro com qualquer tipo de gente. Ah! Boa noite!

domingo, 12 de setembro de 2010

esperando godot

me vejo assim, como tudo ao meu redor, de uma forma exaustiva, cansado, os meus olhos dilatam, se pudessem eles saltariam para fora e mergulhariam em alguma banheira de hidromassagem, infelizmente minhas lágrimas já não servem para aquela limpeza rotineira, mas o tempo passa, surge novas imagens, no meio dia a dia, nas minhas madrugadas, e em meus sonhos, tudo para preencher meu vazio, um vazio que está sempre escuro, sempre há um vento interminável e bravo soprando por todos os lados, há água até os meus joelhos e uma constante sensação de frio, um cheiro de passado e futuro, e uma espera sem fim, mas às vezes os restos criam cheiros e cores, e tudo fica pairando o ar, parece um jardim de flores múltiplas em cima do maior dos oceanos, algo visto da Lua, algo que invade o sono daquelas pessoas mais leves, de mente clara e coração livre, e deliberadamente eu volto a cair, continuo no banco de réus sendo atacado, agarrado nas grades da razão, torturado pela minha consciência, e aqui fico parado, em pleno setembro esperando a próxima noite de setembro, a de agosto, abril, janeiro, o primeiro dos meses e o fim de que tanto me deleito, que seja, daqui alguns minutos ela vai ter na frente da sua casa, sentado na varanda tomando um copo de whisky, e cantando com as estrelas, pendurando em cada uma delas pequenos objetos de sorte, escrevendo com letras caprichadas minhas tristes preces de amor, mas falta pouco, bem pouco, talvez três meses e sete dias, ou vinte e quatro meses e dezenove dias, para minha morte, na verdade morro sempre ontem, e ressuscito de várias formas, que já nem me lembro qual foi a primeira, me vou, deixo aqui mais uma relato que talvez não se refira a nada, ou que vá para algum lugar, mas continuamos a esperar.