quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Marlowe

Prólogo:

É meia-noite, mais ou menos. Não chove. Faz calor e ao mesmo tempo um vento frio aparece de vez em quando. Fausto está em seu escritório. Tudo dorme. Seu filho está na cama, sono inocente, mal sabe o quanto a vida pode fazer. Fausto e eu, você também, somos inocentes, mas sabemos disso. Fausto trabalha em mais um projeto. Mas ele para num momento. O vento se cessa. A luz da vela está quase no fim. Ele agora é íntimo do silêncio e da noite. Sente medo. Escuta um chiado longo. Parece vir de dentro de sua cabeça. Ele balança a cabeça e coça o braço esquerdo. Passa as mãos no rosto, tentando se acordar. Alguns ruídos vem da rua, outros do quarto ao lado, do vizinho, de dentro de seu corpo, de dentro da sua cabeça a sua própria voz que não para. É muito barulho. Ele se levanta, pega as chaves de casa, o seu palitó e sai pra rua.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Desencontro

Você deveria acreditar mais nas coisas. Eu sei no que devo acreditar e no que não devo. Digo isso como preocupação apenas. Não me venha com esses jogos, pois se realmente você se preocupasse comigo não estaríamos conversando sobre isso. Você é muito... Não venha com isso, eu não consigo dormir faz tempo, desde aquele dia, e então, agora, primeiro eu não entendo, porque?, assim do nada, ela veio no mesmo dia que aquilo aconteceu me falando da noite anterior com os amigos, ela tinha um sorriso invejável no rosto, os olhos brilhavam, e corpo estava elétrico, e depois, isso, isso tudo, esse o que na volta. Eu sei. Sabe... Eu percebi também ela veio falar comigo também, Laurinha tu não sabe o que me aconteceu ontem, e ela falava, ela me chamava de Laurinha quando estava alegra, e era sempre Laurinha que me chamava. Eu vou tentar dormir. Você não quer tomar alguma coisa? Já tomei, já li alguma coisa, tentei na verdade, liguei um pouco a televisão, mas não funciona... Precisamos dormir um pouco... Eu sei... É... Boa noite. Boa noite.

Os dois foram dormir. Não dormiram. Por dias não dormiram, por dias não voltaram a tocar no assunto. Fizeram bem.

domingo, 12 de dezembro de 2010

sobressaltos

Era um cigarro que se ia no silêncio.
Ao longe o céu se tornava azul, aos poucos, conforme o Sol morria.
Estava mais frio, era um inverno rigoroso, embora não se soubesse se era inverno ainda.
E esperava.
Se esperava.
Não havia muito o que se fazer.
Embora já era noite. Escuro e sem Sol algum. As sombras estavam vindo das montanhas.
As estrelas opacas eram os únicos seres a se manifestarem sem medo.
O silêncio era incomparável. (Acesso de tosse, quase inaudível)
Agora tudo era silêncio, tudo era sombra.
Estranho mesmo foi ficar sem medo e sem vontade de sair dali, daqui.
O que sei?
(Mais outra crise de tosse, inaudível)
(Senta-se no chão, ou o que se parece com ele)
Não posso falar de depois. Ou após. Seguinte.
Quando tudo se passou, eu voltei aqui. Pois aquele, este, lugar é meu, se tornou meu dono.
Mas logo depois de criar a intimidade, rompemos. E voltamos. Rompemos novamente. Cansamos é óbvio.
Tento prever, para passar o tempo nesse lugar inóspito, nesse ermo infinito escuro, indo para o pior.
(Crise de tosse, extremamente barulhenta)
Os minutos aceleram, e às vezes descansam. E já se ouve os passos lentos e precisos. Indesejada.
Triste ter que cair tantas vezes. Mas não posso partir.
Há corredores e mais corredores surgindo.
Não possui saídas. Possui, mas elas não param e nós não queremos entrar em nenhuma delas.
Precisamos nos poupar pois está frio.
E as cores vindas de gritos sem palavras, mas vinda de todos esfíncteres, ganham território pelo nada.
(Aqui caberia outra crise de tosse)
E corredores estão cheios de seres parecem terem vindo de todos os cantos, seres queridos, mortos.
Vivos na condição orgânica.
Livres, mas presos dentro dessa liberdade.
Me junto a eles? Mas eles estão parados?
Eu também estou.
(Sorriso)
O que foi isso?
O que?
Um sorriso!
Não entendo.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Heterônimo, qual?

Soltaram se as faíscas. E o tempo desde o sempre, ou desde o nada, o nada, continua sendo a cruz de todos nós. Vamos fundo e livre, falando e fazendo coisas, comendo e cagando: até o túmulo. Mas vou começando a compreender certas coisas. De fato, o cheiro de putrefação já não me incomoda mais, e isso não é só. É tudo. Por enquanto me limito, se devo fazer algo a respeito de mim mesmo, a correr. Corro. Ainda parado. Mas corro. Ta bem. Correrei. É que ando com essa mania de brincar com o tempo e situação. Deve ser a influência. Merda. Mas isso era aparte. Você sabe o que é? Então não dê bola. Tenha apenas cuidado com os solilóquios, esses sim são perigosos e às vezes intragáveis. O que é bom. Deveria ficar um pouco na arte da observação. Ando fazendo e praticando mais ultimamente. É repugnante a forma como aquilo fala. Os corpos deles não se mutilaram ainda, e por causa disso, que é muito, falam. A estrada se torna chata. Ela é vazia. Esta sendo vazia. Em alguns pontos foi diferente. Pontos que me lembro ainda. Foram espasmos. O que é agora? Como é agora? Onde é agora? Se eu soubesse, ou saiba, o que eu falo, ou tento escrever, talvez fizesse algum sentido. Mas não me recordo. No final quase sempre não recordo, ou não tenho conhecimento.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

relapsos

Estou com insônia. Resultado de insatisfações.

Como colocar tudo isso numa bacia?

Ela pede calma, assunto de família, morte anunciada, e doenças patológicas.

Do outro lado a terra já foi mexida e alguns anjos se chicoteiam em torno da menina que chora. A menina nem sabe que existe ainda, mas está lá chorando.

O Itinerário de atenção.

A barba do Barba.

Thor.

O silêncio de um domingo de manhã. A sala escura. O relógio marcando o nada, e fazendo nada se acabar mais cedo. E eu percebo que nada falo nesse nada. E que tanto, que tudo eu faria e vou fazer no nada. Preparo o almoço em silêncio. Como em silêncio. Cago e leio em silêncio. Nada melhor que o silêncio. Pois há muito barulho aqui.


A princesa mandou eu avisar o senhor, que ela está partindo, que não pode mais ficar aqui, tudo esta a consumindo de tal forma que ela não sabe mais o que é sorrir. Ela lhe deixa esse colar, para o senhor se lembrar dela. Agora devo ir.

Três pitadas.

Um gato branco em cima do lençol azul. A cortina se estende até o centro do quarto, pois o vento é forte. Ela ainda está no banheiro. Eu posso ir embora a qualquer momento. Estou com ela, mas sou apenas eu, imagina quantos caras poderiam estar com ela, mas que se negaram. Sai daqui gato idiota. Cortina. Vou dormir.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Que braço é esse?
Que joelho é aquele?
O que comemos?
Que barulheira é essa?

E esse cheiro?
E essa voz... no escuro...
nessa...
como assim?...

ai...

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

calor

Hoje tomei banho. Limpei meus dentes. Falei com pessoas. E almocei. No caminho a minha casa andei num passo diferente. Respirei um pouco mais rápido, o que foi difícil pois estava quente. E no caminho de casa eu vi coisas: um mini-mercado, um guarda-chuva quebrado perto da calçada, ilusões pequenas, sorrisos sem dentes, pequeno seres (crianças), cavalo cinza sujo, e lixo, muito lixo. Foi divertido e excitante, pois eram bastante formas e cores que haviam. E tinha aquela coisa do movimento e textura. Tudo com a respiração rápida. E quente. Ainda está quente. Ainda devo estar com calor. Eu me esqueço em verificar isso. E outras coisas, e tenho que tomar água. É bom para saúde. Embora não a priorize ultimamente. Mas confio em minha idade. Não sou tão novo, nem tão velho, nem o meio termo. Me considero fora deles. E delas também, não tenho vagina, embora estude que a voz venha de lá. Outros dizem que vem das coxas, ou do estômago, Que cor isso tem? É um mistério. E nem todos me fazem mexer. Agora mesmo estou com uma das mãos presas no ombro. Qual delas eu não sei. Mas eu sinto, pois tenho coceira num dos braços e não consigo coçar. Chamaria alguém, mas não sei usar me voz direito. Esquerdo. Centro. Palato, órbitas, testa. Que horas são... droga meu relógio esta na mão presa, e eu não sei qual delas é. Eu deveria voltar para a rua. Mas eu me esqueci de qual lado dela eu estou.

sábado, 6 de novembro de 2010

Experimentalismo - I - Diálogo

Varanda do apartamento. Prédios de fundo. Duas cadeiras de praia, onde estão sentados os dois. Eles tomam alguma bebida. Há silêncio. Luz vinda das poucas janelas acessas dos prédios vizinhos.

Ricardo
Tem um filósofo, meio matemático, ou era um físico? Que importa? Ele fez um cálculo, que envolvia o tempo, coisas das estrelas, a porra do universo... Essas coisas. E ele chegou numa conclusão. Disse que o tempo é cíclico. Tudo isso que está acontecendo, eu aqui sentando nessa cadeira, bebendo uma cerveja, falando com você e você ai escutando e tal, isso já aconteceu. Mais de uma vez. E vai acontecer mais vezes. Não entendi direito. Nem se eu acredito. Mas, se for verdade, que merda.

Flávia
Isso é um daqueles sensacionalistas.

Ricardo
Que? Não tem nada a ver. Ele comprovou cientificamente. Há alguns séculos atrás seria impossível. Mas imaginar, tudo isso se repetindo. Só nesta hora, nessa vida, tanta coisa retorna. É meio pesado. Lembro de... Não sei se lembrar é bom.

Flávia
Ricardo, calma. Lembra o que o Cláudio falou? "Paciência! E é preciso ocupar a mente com coisas construitivas e não destrutivas!"

Ricardo
Aham. Depois de três anos. Três vidas. Três mil séculos. Se essa merda toda está repetindo, porque eu não me acostumo. Será que daqui a pouco eu vou fazer aquilo que penso desde aquela segunda. Será? A foto no jornal, o sangue coagulado, o rosto irreconhecível. Alma voando, alma sem penas. Alma despenada. Aquele sopro na nuca de alguns...

Flávia
Ricardo!

Ricardo
Às vezes penso no vento tocando meu rosto, levando ele um pouco pra trás, o ar gelado. Os cabelos leves, o corpo leve, em alta velocidade em encontro ao centro da Terra. O coração saltindando de tanta adrenalina incontrolável. Segundos eternos. Livre. Pá! Um outro ciclo de novo.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Apenas do lado de lá

Camarim. Ele olha o espelho e fala com aquele reflexo que aparece, enquanto se maquia. Há luzes apenas em volta do espelho. Todo o ambiente esta escuro.

A
Não entre lá com essa cara. Haverá cegos na platéia. Haverá gente surda. Gente com medo da morte. Com o esfíncter preso a maçaneta da porta de casa. Não entre lá dizendo palavras inteligíveis. Não! O que são palavras? Os surdos precisam vê-las. Precisam ver elas caindo de todos os lados, dançando em cada músculo, rompendo o ventre, a barriga, o esôfago, os tímpanos, dentes, querem vê-las ser vomitadas, ver o vômito. Os cegos querem saber o que você vomita. Que gosto tem? Que gosto eles tem? Sentir o calor vindo de seus pés, de seu pescoço. Não crave sua morte no altar. Enterre algo há mais. Algo além. Algo incompreensível pelas palavras. Mas sentida pelo cheiro, pela cor, pela nota, pela força, energia, os músculos tensos, ritmados e incontroláveis. Todos os orifícios, canais, portas, becos, janelas, convéns, recepção, feriado, tônicas, caixão, tudo aberto, exposto! Dance! É bolero! É tango, é qualquer vento! Vento! Vento! Vento! Um pequeno sopro de tirar todo o ar dos pulmões para depois pegar mais. Deixar a cabeça latejando, os olhos vermelhos e perdidos no ponto certo, e a garganta infiel a razão rangendo o corpo em eletro-choque. Mas se por acaso tudo se esvaziar, não... Não... Isso não acontecerá! Que digo? Já faz sentido? Qual deles? O que se passou? Onde? Agora? Foi? Na primeira fileira estará ele de novo. Com seu guarda-chuva preto encostado na cadeira. Os óculos escuros, a cabeça voltada para o queixo. Pequenos movimentos dos ombros. O peito quase como uma pedra, intacta! Imóvel. O corpo todo dele. Mas... E depois? E durante? Quem fará a sua parte? Que falas? Nunca! Jamais! Não sou desses aí. Foi o que pensei quando sai de lá. Mas nunca chegou nada em minhas mãos. Não como eu queria. Bem dobrada, boa caligrafia, belíssimo discurso, palavras, palavras e mais palavras lindas! Síncope! Limítrofe! Refutar! Cutícula! Película! Flor! "Será que por acaso a flor sabe que flor?" Ai! Ai! Canibais! Morderei todos, farei uma bola alimentícia de goma de energia! Cuspir venenos! A alma presa no solo, sendo carregada pelas nuvens até o teto, e a cada canto da sala, gritando, peidando, mijando, qualquer coisa que prove que o corpo esteja respirando, operando a favor da vida! Da existência! Queimarei cada partícula de segundo. E depois de minha morte, após doar o meu corpo, meus órgãos, respeitarei os seus silêncios.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

O veículo: ARTE

Onde eu andava a dois anos atrás? Três anos? Cinco?

É estranho se perceber vivo. Imaginar todo o tempo perdido e todo o tempo que ainda deve se criar. Mas foi complicado, delicioso, pertinente, excitante, amável e triste.
A cada verso novo, a cada traço na tela, nota cortante, corpo desfeito, corpo entregue, a cada segundo, a cada noção desse segundo, a cada momento em que não se percebia esse segundo, e tantos outros... O veículo da vida.
Não se trata aqui de técnica, nem de compreensão a respeito de certas normas, ou discursos. Não. Nem sobre aquele ponto da onde toda a energia se irradia, que se alastra tomando conta do ambiente todo.
Talvez seja o encontro. Grotowski estava certo. Artaud estava certo. Eles estão certos. Bataille também. Mozart. Vininha. Van Gogh. Quem mais? Todos. Tudo, qualquer coisa. Qualque coisa no limítrofe entre o nada e toda a sua essência. Naquela cadência calma, que não existe e que se torna agitada, ressoando uma nota lá em cima, que toca tudo. Num piscar de olhos, num momento seco, no outro enxarcado.
Me pergunto como será amanhã? Agora que a ignorância se faz presente. Que finalmente um mapa se estabeleceu - sem coordenadas, sem limites, territórios mil - , que a respiração é ´rápida e sem consciência.
'O corte seco ainda sangra?' 'Medíocres de todo o mundo, eu os absolvo.' 'Penso, logo, esculhambo.'
Meus amigos, minhas amigas, é feriado. O mundo dorme lá fora, e eu grito aqui dentro.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

As articulações da minha mão estão pálidas e medrosas. Do outro lado todo o horizonte tímido de seu corpo. Mas que horas são? Nos últimos dias nesse exato momento o espaço estava livre, não havia nenhum sinal humano para atrapalhar o nada e esse muro construído em toda a sua volta, para te proteger da vida. “Eu tenho que acordar cedo amanhã.” Quem esta por aqui? Será que tenho que reviver aqueles velhos princípios? Não há tempo para perguntas. Os lábios macios estão dançando, cortam o ar com mil mentiras, mil banalidades, balelas soltas e atrevidas que me encantam. Fecho a porta, e assim o mundo inteiro. Tomo consciência do irreal, de toda aquela chuva dourada que os poetas deixam subentendido. Há um pequeno sinal de silêncio a vir. Silêncio.
Os olhos despertam junto ao grito angustiante da alvorada. Quem nunca ouviu falar em suicídio? E me sinto sozinho depois de três horas acordado. O mundo no seu lado claro me faz falar com Apolo. Minha pele se desseca ao espelho. Todo meu ser agora é errante. Dane-se. Ando um pouco por algum lugar que não conheço, algum lugar não decorado, sem tempo, sem ritmo, algum lugar onde não seja uma marionete. Mas meus olhos voltam a pintar tudo a minha volta. Sinto os violinos nos músculos, os sopranos me tirando o ar. O coração brincando de um pé aqui outro acolá. A imagem na qual eu não crio nunca (tirando em sonhos) se forma na minha frente, em volta de pássaros azuis e pequenos animais infantis bem alegres como de costume. Ela surge de uma forma estranha, como se eu fosse um desesperado e ela a fé, eu um navio a deriva como se ela fosse o mar inteiro e qualquer lugar que eu ancorar terá o farol de seus olhos. Mas que é isso? Balanço a cabeça e meu cérebro parece se deslocar, vira de ponto cabeça e acordo. Cachorros comem o resto de uma perna humana em frente a minha casa, e um caminhão buzina contra uma senhora que come o resto de uma pata de cachorro. O mundo se vira contra mim em uma maré de sangue coagulado e fedido como a comida que me servem no almoço. Cadê aquela imagem? Se desfez. Ela se desfez. Ela precisa se suicidar de mim. A cada pequeno espaço de intimidade.

sábado, 25 de setembro de 2010

Vim da estrela norte, encontrando a vida e a morte

Viajávamos. Percorremos um caminho tão longo, que depois de chegar no lugar em que resolvemos parar, já havíamos esquecido da onde nós vínhamos. Colocamos nossa bagagem embaixo do banco, estávamos na beira da estrada, nos demos a mão, um beijo rápido mas profundo, nos abraçamos e, cansados pela viagem, fechamos os olhos e adormecemos por ali mesmo.
Depois de algum tempo, a água já tocava os nossos pés. Não havia sequer uma moedinha em nossos bolsos, não tínhamos nada para beber - a não ser a saliva de nossos beijos - e nem para comer. Mas havia em nossos corpos, e em nossos espíritos uma espécie de fonte energética, alimentícia, uma espécie de usina de energia nuclear, não sei o que era, mas nos deixava cada mais vivos, com o sorriso cada vez mais sincero e mais espontâneo. Com as sensações incontroláveis, os braços tremiam em cada abraço, e quando atravessávamos os campos - que existiam depois de uma hora caminhando na direção oposta da praia - as pernas pareciam querer correr por toda o vasto horizonte, e a sensação que nos tomava era que correríamos o mais rápido possível, quebrávamos recordes no anonimato, aplainávamos sobre todos os lagos, até os mais imensos, onde a vista se perde... E minha vista se perdia toda a noite. A beira da fogueira, nos tínhamos calor e proteção dos animais. Mas quando o fogo se apagava, nos tocávamos de uma forma, como se estivéssemos cegos pela primeira vez, ou como se fôssemos íntimos desconhecidos, amantes visionários, apaixonados de tão forma que a pele queimava (e parecia que o calor de nossos corpos causaria as mais terríveis queimaduras, mas não queimava a pele, mas a alma estava em combustão) e parecíamos duas estrelas no meio espaço, no meio do vazio, no centro de todo o nada desse mundo. E quando parávamos, quando o corpo ficava inerte, e os olhos se fechavam de fato, o mundo se tornava inocente de todos os crimes. O perdão reinava nos sonhos. O amor era a lei de todos os momentos. E eu e ela éramos os reis desse reino. E quando ainda era madrugada, e alguns pássaros começavam a cantar - não era a nossa língua de fato, mas havia tanta vida e entrega naquelas notas, naquele timbre, o doce movimento do som, era impossível não acreditar que realmente aquilo tudo não era um sonho, não estávamos mortos, e nem caminhando para lugar nenhum - nos acomodávamos um ao outro no lugar que escolhemos para deitar. Havia um som baixo quando agente dormia. A única coisa estranha era ter que acordar. Eu pensava que teria que fazer tudo o possível para não deixar esse tudo estragar o dia dela. Acordar num mundo que se suicida desde o princípio de tudo, onde não existe mais oi, com licença, como esta?, tudo bem, tenha um bom dia, desculpe, precisa de ajuda? Não, nada disso existe mais. Cada qual esta por si, cada monstro tem que escolher uma vítima por dia, é preciso computar o número máximo de mortos. É preciso anotar seus nomes, pisar sobre seus corpos, vomitar sobre seus túmulos e queimar toda o parente idiota e medíocre que derrama lágrima sobre o defunto. É preciso acima de tudo cuspir em cada rosto desses que se esfolam para apenas poder voltar vivo para casa, e descansar a cabeça depois de mais um torturante dia de trabalho. Alienados e mais alienados, todos nós! Perdidos em cada esquina. Com a cabeça encostada na janela do ônibus, pensando em ter um carro, uma casa bonita, uma família feliz que não passa fome e nem sede, que tem o que vestir e como estudar, e descer do ônibus com dificuldade, voltar a realidade, a essa injustiça sem tamanho. Terra da desonestidade. Da Injustiça. Da falta de oportunidade, da fome que mata e enlouquece, terra onde as pessoas são torturadas por que acreditam no que falam... terra maldita sem deus e nem diabo... terra fudida que cheira a merda e esta mergulhada num barril de sangue, sangue de nossas mãos assassinas e seguiremos assim, até o final de tudo, esse tudo que é sinônimo de nada...
Acordei estranho. Mas ao meu lado estava ela. Aqueles pensamentos ainda estavam vivos e olhei para ela com pena de que ela acordasse e voltasse a esse monte de nada novamente. Mas ela dormia bem, o rosto estava leve e sereno. Me senti bem. Ela iria acordar. E acordou. Isso sim melhorou o mundo. Até me esqueci do resto.

domingo, 19 de setembro de 2010

Que seja!

Por favor, é madrugada. Devemos falar baixo e não fazer coisas que causem barulho. Ao lado, como podes ver, esta o quarto dela. É o quarto dela desde que ela tem 8 anos de idade. Ela passou mais de três quartos da vida dela dentro desse ambiente. Não podemos abrir agora pois ela deve estar dormindo, algo que ela gosta muito de fazer. Mais na frente, temos o quarto da Vó. Ela esta meio velha agora, fala muitos palavrões e possui um enorme nojo de pessoas da cor negra, mas não tem como fazer ela mudar de opinião devido a sua idade avançada, mas mesmo assim ela possui um bom coração. Desse lado temos o banheiro. Não entraremos, pois devido a esses pequenos barulhos, o irmão mais novo deve estar se masturbando, prática que ele mantém desde os onze anos. E todos aqui na casa o fazem, tirando a Vó. Enfim, vamos agora ao quarto do lado, que é onde você vai dormir hoje. Não tem banheiro próprio, mas tem um pinico e um sino, caso aconteça algo de ruim com você, e pode acontecer, viu? Me chamo Madame Milde. Não me chame por qualquer coisa, pois acho uma falta de respeito e me estresso muito rápido com pessoas que não fazem parte do meu convívio social. A cozinha abrirá as sete da manhã, mas não impede de você ir lá daqui a pouco e beber um copo d'água. Mas lave o copo se você fizer isso. E por favor, não traga pessoas de fora da casa para dentro da casa. Não gostamos de dividir a comida nem o banheiro com qualquer tipo de gente. Ah! Boa noite!

domingo, 12 de setembro de 2010

esperando godot

me vejo assim, como tudo ao meu redor, de uma forma exaustiva, cansado, os meus olhos dilatam, se pudessem eles saltariam para fora e mergulhariam em alguma banheira de hidromassagem, infelizmente minhas lágrimas já não servem para aquela limpeza rotineira, mas o tempo passa, surge novas imagens, no meio dia a dia, nas minhas madrugadas, e em meus sonhos, tudo para preencher meu vazio, um vazio que está sempre escuro, sempre há um vento interminável e bravo soprando por todos os lados, há água até os meus joelhos e uma constante sensação de frio, um cheiro de passado e futuro, e uma espera sem fim, mas às vezes os restos criam cheiros e cores, e tudo fica pairando o ar, parece um jardim de flores múltiplas em cima do maior dos oceanos, algo visto da Lua, algo que invade o sono daquelas pessoas mais leves, de mente clara e coração livre, e deliberadamente eu volto a cair, continuo no banco de réus sendo atacado, agarrado nas grades da razão, torturado pela minha consciência, e aqui fico parado, em pleno setembro esperando a próxima noite de setembro, a de agosto, abril, janeiro, o primeiro dos meses e o fim de que tanto me deleito, que seja, daqui alguns minutos ela vai ter na frente da sua casa, sentado na varanda tomando um copo de whisky, e cantando com as estrelas, pendurando em cada uma delas pequenos objetos de sorte, escrevendo com letras caprichadas minhas tristes preces de amor, mas falta pouco, bem pouco, talvez três meses e sete dias, ou vinte e quatro meses e dezenove dias, para minha morte, na verdade morro sempre ontem, e ressuscito de várias formas, que já nem me lembro qual foi a primeira, me vou, deixo aqui mais uma relato que talvez não se refira a nada, ou que vá para algum lugar, mas continuamos a esperar.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

numa certa manhã

alguns objetos me olham, milhares de vezes. outras centenas de vezes, eu os olho. observo atento, quieto, deixando o silêncio tomar conta de mim, e escutando a sinfonia das coisas. penso sobre meu casaco molhado pela chuva largado para secar na cadeira. minha caneta ao lado do meu caderno deixado em cima da mesa no centro da sala desta casa que grita de frio pelo vento que vem lá de fora. o vento fala coisas, siuu, chuuuu, vruumm. que divertido! mas aterrorizante. nada para. o meu mundo não para, apesar de algumas das poucas estrelas de meu Céu estarem apagando, e tudo ficando um pouco mais escuro na noite, o meu mundo não para! me canso um pouco dessa imagem parada, pois agora parou, não tinha se mexido antes, nunca se mexeu, foi tudo culpa minha. morte a minha volta. e assim os dedos das minhas mãos se cruzam e repousam sobre minhas pernas. meu olhar desce devagar, ainda em silêncio. e vejo minhas mãos. com os dedos vermelhos, as veias e artérias soltadas e o sangue percorrendo nela. e o sangue se torna agora o barulho a ser ouvido. e minhas mãos agora estão quentes, o sangue vai subindo, o pulso, o cotovelo, o braço inteiro. tudo esta formigando. o sangue (vermelho?) corre, como se estivesse antes parado, como se eu nunca tivesse sangue, como se eu fosse uma múmia e recebido uma injeção enorme de sangue. uma transfusão de vida! os objetos continuam intactos e meu corpo reage a mim mesmo. estou vivo e meu casaco agora ainda continua molhado. mas algo mudou, não sei o que. minhas mãos se afastam, cada qual para um caminho me ajudando a me colocar numa posição agradável na cadeira.

tudo continua imóvel. a casa ainda treme pelo vento. o vento ainda fala coisas, não é uma língua que intendo, mas a sinto. a mesa, o caderno, a caneta, eles continuam parados me olhando. não entendo o que acontece. mas acontece algo, aconteceu, deveria ter acontecido, ou ter percebido antes, e agora não para. continuo?

sábado, 7 de agosto de 2010

morte e vida

tem momentos da vida que você consegue colocar as palavras certas no lugar ideal, e assim, tudo fica claro e lindo.

aquele lugar era um campo aberto, cercado de árvores e coisas que não se viam. era noite. sabia que estava em pé na grama, cercado por algumas tundras. olhava para frente, pro lado, para as minhas costas, era só uma imensidão negra, que ficava a uns vinte metros de distância de meu olhar. mas nada se via, nada se ouvia e e pouco se sabia onde pisava. é a dualidade da noite e do dia. e ali o meu dia seguia. apesar da escuridão, da mata negra que escondia o que não sabia que existia, ou o perigo se mostrando pelo silêncio e calmaria, parecia que eu retornava para dentro da cidade, para dentro da sala de aula, na minha casa, ao conversar com alguém na rua. é tudo negro, tudo escuro, onde é quase é sem luz, sem vida, aonde todos vivem e se acasalam na mesmice e chatisse da rotina. eu via o mundo todo ali e eu queria queimá-lo! em altas chamas verdes!

e quanto me entristecia pois voltava de novo a esse nada que me cerca diariamente, olhei para o céu. limpo. desconhecido. milhares de estrelas sendo vistas e olhando-me. a lua não estava, mas estava lindo. e vi que é ali que vivo. lá em cima. o meu olhar esta voltado aquelas pequenas luzes intocáveis, mas ao mesmo tempo de braços abertos eu tenho o universo todo. e essa gente toda, esse bando de inúteis, esses pesa-merdas, estão ali dentro da mata, incapazes de olhar o céu. de saírem dali, pois a escuridão é terrível. lá não há vida, nem poesia. lá é o nada. o vácuo. o espaço podre jogando o seu hálito em tudo. por isso não conseguem ver o que vejo. sentir isso tudo. é fácil, é leve.

sóbrio entro em êxtase. a natureza sempre me salva. assim como esses períodos de solidão.
mas isso tudo foi só pra ocupar um tempo.
não é real. nada nunca foi e será algo.
não sei onde me ponho nisso tudo.
mas em alguma parte eu fui parar... renascendo conscientemente.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Fantástico

Lendo aquilo tudo que um dia escrevi dentro de minha vida, no ano passado, no ano retrasado, nas minhas decepções, brigas cotidianas e etcs. Vejo o que pensava, o que me indagava e respondia.
É Fantástico. Hoje aprendi coisas com um eu passado. Coisas comigo mesmo.
Tenho que ter um tempo de volta pra mim.
Pra minhas anotações e estudos.


sexta-feira, 30 de julho de 2010

Solidão

Há algumas horas atrás, em algum ponto da cidade, em alguma fração da noite, eu andava pelas ruas dessa cidade que durante o dia é cinza e durante a noite é alaranjada.

Andava indo pra um lugar que não gosto. Onde o ar é pesado e meus pulmões parecem inalar algo pior que toda essa nicotina que me acompanha. Andava e ficava falando comigo mesmo. Falando longos solilóquios que poderiam ser comparados a grandes romances e a pequenas, e ridículas, indagações de alguém que será esquecido. Tinha saído de uma festa de aniversário, havia um grupo de pessoas lá. Me perguntei se daqui a dez anos alguns deles vão se lembrar de mim. Acredito que não. Poucos. Talvez um. Talvez dois no máximo. Para esses talvez eu fique na memória, numa parte restrita da lembrança deles. Para o resto eu serei o resto. Um fiapo no meio da trajetória deles. Apenas uma pessoa no meio de poucas fotos em que apareço.

E penso em que se lembra de mim, e de quem ainda me guarda no peito com tanto zelo e admiração. Retorno então às poucas pessoas que ainda suportam os meus erros e minha difícil personalidade. E, recortando mais, chego àqueles que me colocaram no mundo, primeiramente. Eles que me desculpem, mas me colocaram nesse mundo, repleto de tédio e estupidez, mas também de delícias e tantas formas de poesias. Agora vou viver! Não quero que travem uma guerra contra mim me impedindo o mínimo de liberdade, a um ser que não existe. Sim, não existo. Estou morto, não confie em minhas palavras, pois vocês terão muito que dizer, para eu acreditar em uma frase sua.

Sou jovem demais para não saber de tudo. Sou um cretino distribuído em várias máscaras audaciosas. Tente me decifrar, não tenha pressa, a noite é bem longa. Longa mesmo.

E então os rostos caem. Pois o choro dela me atingiu. Ela colocou em cena toda a sua tristeza, todo o seu medo – um claro momento de despojamento total – bem em frente dos meus olhos secos. Para onde eu poderia ir? Para onde eu poderia ir? Não haveria lugar. O corpo dela estava sentado, coluna ereta, mão juntas no vazio entre as pernas, os pés entrelaçados com apenas o pé direito tocando o chão. Não havia ação exterior. Mas a respiração estava agindo, e só ela já me tocava. A fala vinha de algum lugar, mas esse lugar não conheço, não posso afirmar como aquela voz surgiu. Era uma voz viva que tocava a morte. A morte de tantas idéias, pensamentos, suposições. Mas colocava tantas outras em ação contínua.

Não queria estar ali.

Mas nessa condição, em que eu estava na rua de noite, só, não haveria situação melhor de paz.

‘As ruas vazias, poucas pessoas passando. Alguns carros rodam indo de lugar a lugar. A Lua lá em cima me provoca, sabe que pequei várias vezes sob seus olhares, e que muito a desejei como todas as minhas paixões impossíveis. E a rua está calma. Tudo tem um ar de calmo. Até as poucas janelas acessas dos prédios são calmas. Leves! Tudo é leve.

A fumaça entra em meu pulmão, trago mais duas vezes. Acendo outro cigarro. Agora só tenho um. Acabou.

Não há ninguém agora na rua. Não há ninguém me perturbando. Não sei as horas. Me perdi nos dias. E não sobraram verbos. Não existe interjeições possíveis para este momento. Estou em paz, comigo, com o mundo, com o todo.’

Pena que ao rever todos, todos daquele grupo, todos que me jogaram nesse mundo, me verão com o último olhar que me viram. Com tudo aquilo que deixei pra eles. Com tudo aquilo que fui nos últimos momentos. Mas não me verão, com os seus olhos, de quando eu estava na rua. Liberto. Despojado com a Lua, com a calçada, com o cigarro, com meus pensamentos, com a respiração fraca, com as mãos frias, arrumando o casaco...

Solidão. A solidão faz tudo tomar um valor maior.

Solidão em público.

Solidão de si mesmo.

domingo, 20 de junho de 2010

ressurjo.
no mais espontâneo e ao som de Led.
como se o sonho fosse verdade. despojado e tendo consciência do estado que estou. mas sempre duas doses do necessário.
como queria que estivesse sempre assim.
e vou estar.
estou.
basta se abrirem.





pois o despojamento é pra quem ver vivencia e ver.
os dois lados caem ao mesmo tempo.