terça-feira, 16 de julho de 2013

Da condição do ator

Há sempre um começo, um princípio, da decisão de se fazer teatro. A profundidade dessa decisão me chama a atenção. Não tanto o porque, por ser tão distinto entre todos, mas justamente até aonde isso pode levar.
Do ponto de vista do ator, naquilo que considero como sua condição mais cruel, é justamente um desnudamento, como disse Grotowski. Uma fragilidade colocada em cena, um Estar que desestabiliza quem presencia algo do gênero. Nunca presenciei isto em um espetáculo teatral. Teve alguns momentos em que fui realmente testemunha dessa fragilidade em sua inteireza em ensaios fechados. É uma sensação dificílima de se relatar. Há sim uma aceitação do outro. Isso não deve ser negado. Assim como não pode ser negado o fim de qualquer representação. Tanto de quem faz como de quem presencia.
Toda vez que isso aconteceu, não só comigo como de colegas, todo um pensar sobre o teatro é desestabilizado. A relação com o corpo, material de trabalho, também. E máscaras são deslocadas.
Usei num texto uma vez a imagem de uma batalha para a apresentação teatral. Onde o ator luta contra ele mesmo. Nessa luta às vezes algumas máscaras são arrancadas, outras são cortadas. Tem umas tão enraizadas no "rosto" que criam ferimentos, mas não caem. A consciência dessas máscaras retiradas ou feridas na maioria das vezes não é clara. Mas elas vão abrindo caminho pelo corpo. Corpo-memória, para chamar o nome do Grotowski de novo a conversa. Lutar esta batalha, para mim, é como que dar corpo a morte. É como ver o meu colega se desnudar num ensaio. É estarmos ligados por esta precariedade da vida - como o Adriano Moraes fala. Num estado sempre presente, neste Estar tão cruel que corre o risco de não continuar. De morrer.
O ponto de encontro com todos os termos que o Grotowski já falou em seus textos, ou do próprio ator Cieslak, com isto que eu digo é enorme. Não há nada de novo. Mas a questão é esta: porque continuar? Tenho para mim esta resposta e afirmo que continuarei, independente da distinção do significado que eu lhe atribuo. Porém, e aqueles que desistiram? Aqueles que desviaram dessa condição do ator (condição que coloco aqui), porque fugiram?
Sei que há inúmeros tipos de teatro. De inúmeras formas de se realizar uma cena, de concepções inúmeras de dramaturgia. Etc e etc. O que me move escrever este texto é pensar, dialogando com falas de Pós-Fausto, de Valery, qual é o princípio? O clarão? O meu primeiro momento do primeiro estado no teatro? Aquele meu melhor momento, a maior lembrança, o estado que me faz manter o corpo queimando na frente dos outros? Que chama é esta que mantenho acessa mesmo nas noites de ventanias mais fortes e de frio imenso?
Antes mesmo de conhecer a frase de Grotowski sobre o que é teatro, em que ele denomina como: "Teatro é Encontro", a relação que eu mantinha com as pessoas era baseada numa frase de Vinícius de Moraes (meu pai de poesia) em que ele dizia: "A vida é arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida". E essa "semelhança"? Desde que li "Teatro é Encontro" e toda vez que eu releio isto ou digo, o subtexto é essa frase do Vinícius. Não penso sobre isso, pra mim é circunstância dada.