terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Agora posso escovar os dentes...

Ele toma o último gole da cerveja. Amassa a lata e deixa em cima da mesa. Acende mais um cigarro. Tudo escuro. O ambiente é iluminado por uma televisão, ela esta muda, serve de luminária. Ele pega uma caneta e um pedaço de folha, uma espécie de panfleto em cima da mesa. Mas desiste de escrever nele. O cigarro fica pendurado em sua boca. Ele se observa. Toca ao fundo uma música lenta, uma música contemporânea lenta. Ele começa a escrever em seu corpo.

Todos, sem exceção alguma, um dia aprenderão. Após uma perda inesperada. Aprenderão. A revelação da resposta não será igual a todos. Não haveria porque. Cada qual com o seu buraco fedido.

Dormimos durante muito tempo. Isso me leva a infância. Onde éramos inocentes. E nem fazíamos questão, não havia experiência e nem cabeça, para perceber ou ter vergonha, ou essa fraqueza...

Um cão uiva triztemente e longamente na rua. Prende a sua atenção. Ele continua a escrever em seu corpo.

Nossa casa. Três camadas jogadas em todo a sua superfície. Aprenderemos sim. Mas o que?

Sempre preciso desse momento só. Cortante. É como se eu pisasse em cacos de vidros. Respirasse ácido sulfúrico. E meus olhos jorrassem enxofre líquido. Tudo isso, mais esse cheiro a fósforo queimado que emana dessas minhas camadas de pele.

O cigarro cai. Ele para de escrever. Começa a bater no sofá vermelho que esta atrás dele fortemente. Ele grita.

Séculos e séculos. Poetas estúpidos e profetas idiotas. Acham que sou um burro? Não conseguem enxergar? Também sou um palhaço nesse carnaval. Só. A vida corre lá fora, naquele fluxo maluco e destemperado. É cruel saber que todo o teatro agora não possui cor algum. Velhos malucos. Palhaço. Sem dó algum...

Ele para e sentado sobre os pés o corpo se inclina para trás e ele chora.

Não poderia ter dó. Nem tenho uma crença que eu possa pedir perdão, ou piedade. E nesse escuro do mundo, agora estou, onde tudo é triste, e os pilares são podres e qualquer transformação é mais uma ação errante... Não tem cheiros, não tem cores e nem lágrimas que me prendem...

Aqui?

Nisso.

Às vezes meu sorriso é tão sincero, tão vivo. Mas é passageiro. Sou turista. Mais uma mancha entre todo esse borrão que é o dia, a rua, as filas...

A geladeira abre e fecha. A janela é muda. O violão ressoa, mas o som vai longe, não acompanho. E sinto tanta falta daquelas besteiras, segredos ao ouvido, e xingamentos com aquela raiva antiga e maliciosa.

O choro cessa. Ele pega outro cigarro e acende. Se compõe. Pega o pedaço de papel e a caneta.

Desfilarei pela última vez. Absorvido com algo. Cambaleando. Até o topo. Até o fundo