domingo, 21 de agosto de 2011

Capricho

I

Os personagens se dão as mãos e mostram as nucas aos espectadores.

II

O ator desmancha o figurino. Fuma um cigarro pensando em morrer, no mais literal possível termo que existe. O ato não se cumpriu para ele. Dessa forma a morte é individual. É um suicídio por causa mínima. Não tão literal. Mas o ator está acabado e triste. O mundo poderia acabar com ele. Deveria.

III

De grandes momentos a destruição. Um pequeno mal entendido e o mundo desaba com toda a força possível. A fragilidade do palco é perigosa. A fragilidade do ator é desconhecida. Sua força é quase intercontinental. Abençoado pelos deuses mais cruéis da arte, o ator queima em qualquer chão ou tablado em que esteja. Mas ao cair é o vale sujo dos bastidores que o espera. E o espelho, que o tanto encara e mostra a imagem da derrota eterna.

Se viver é a maior das glórias, o que diriam de uma bela derrota? Capricho dos deuses!

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Brincadeira

A luz posta de maneira artesã num determinado ponto do espaço, revelado um ator de costas ao público subindo numa escada que leva ao nada. Do outro lado uma pequena luz revela pedaços de madeiras pregadas entre si. O cenário vai se tornando vida. O cenário foi ensaiado. Foi dramaticamente feito. Dramaticamente aqui se referindo como: posto em movimento, posto em ação. Vivo. Ele se contorce ao grito opaco e seco de um personagem que nasce para demonstrar loucura. Em seguida, o personagem morre. Naqueles metros quadrados agora, o personagem morre estático. O cenário agora é o cemitério dele. Quem passar por ali verá que houve vida em algum instante antes. Verá marcas de suor. Cortes de gritos e silêncios no ar. Os espectadores entraram sem saber o que veriam. E vão embora sem saber o que deixaram. O ator nada pode fazer. Vai embora deixando o espaço viver como ele deve. Carregando mais um fantasma em seu corpo. Brincando de Deus em mais uma noite. Assassinando mais uma noite. Não apenas um personagem, mas algo a mais. É perigoso. Em tempos antigos falaríamos de heróis ou de glórias, mas sem reconhecimento, sem medalhas. O ato por si só. Um ato total e vivo. Efêmero e agora morto. Impregnado na luz, impregnado na madeira, impregnado no escuro e no silêncio das cinco horas da manhã, onde os fantasmas brincam de ressurreição.