O ator é frágil. O momento do
ensaio ou de um contato com os espectadores deixa isso evidente. A fragilidade
do ator-homem anda de lado com sua precariedade. Ambas são parceiras, adoram
andar juntas, mas quem as vê na cena? Na ação do ator? Depende muito do tipo de
teatro. Depende muito do ator-homem e sua relação com colegas e diretores. Essa
fragilidade é colocada em cena onde as ações são feitas uma atrás da outra como
que para serem vencidas. O ator-homem-frágil necessita a todo o momento
desfragmentar a última ação, necessita matá-la. Só assim algo novo pode
aparecer. E esse novo não é ligado à novidade, mas sim com aquilo que é vivo. O que é esse vivo? Talvez seja necessário não pensar sobre ele no momento. A
única forma de escrita no teatro, a mais potente, a que mais mexe com quem
participa do fenômeno, é a ação física. Nesta
ação física o ator-homem, quando está
vivo na sua execucação-criação fica no limiar do teatro. Sua efemeridade se
apresenta de tal forma que sua existência pessoal ganha peso. Um homem é visto
realizando um ato. Esse ato o destrói. O constrói. Ele se renova. Ele se
contrai ao extremo, ele tensiona uma energia e atua em prol de... De quê? Ele
se doa, mas doa o que? Nada.
[...]
Imaginemos a seguinte comparação.
O ator e um quadro.
Acredito que o ator só se torna
um grande ator quando ele se transforma num imenso quadro branco. Para se
tornar um quadro branco ele deve se limpar por inteiro. Ao iniciar no teatro
todo ator é um imenso quadro sujo, com algumas pinceladas objetivas, outras
conhecidas, cores as mais variadas, alguns borrões, há uns que possuem até
mesmo rasgos. Porém é tudo tinta que pode ser removível. Aliás, para ser
removível é necessário o dono do quadro querer limpar o seu quadro. Mas então o
dono pergunta: “Porque limpar o meu quadro? Você não consegue ver quantas cores
bonitas eu tenho? Esse traço aqui, você
consegue fazer? Ele é perfeito, não?” Ele não compreende. O que ele irá pintar
neste quadro? O que será visto nesta nova pintura? Essas cores são conhecidas!
Esses traços então... Não, você deve entender uma coisa: em um quadro branco o
menor ponto pintado é perceptível. E se você avançar na limpeza do quadro, e
pintá-lo com muita dedicação e entrega, enchendo ele com luz, fogo... Você pode
pintar o quadro com luz, com fogo, com pássaros. Você não sabia? Mas se você se
entregar a essa limpeza, querer não querendo, você poderá pintar o meu também,
ou limpar uma parte minha... Eu não tenho como explicar isso.
Como ser um quadro branco?
[...]
Agora devo dormir.
Deve-se lembrar que é noite.
Um cachorro preto ronda minha
cama-navio. Navegando por entre réplicas ouço um poeta falar:
- Cuidado Poetinha, é noite de
temporal! Hoje não tem pesca. É noite.
Devo pensar em que? Em nada.
Chamarei o vento de qualquer maneira. Assoviarei baixinho. Será uma bela
despedida. As despedidas são sempre fortes e inesquecíveis. Meu sono é
colorido. Trabalhoso. Ainda não
descansei. Espero morte de gozo eterno. Sairei pelo mar de réplicas,
atravessarei solilóquios, sobre um mar imenso. Milhões de personas-afogadas.
Algumas eu irei acordar.
- Têm gente, Poetinha, que sai e
volta com as mãos vazias. Morre na beira da praia. Na areia branca, com o corpo
cansado.
Mas eu morrerei no verde do mar.
Nas ondas verdes do mar.
Sonho em ser um afogado. Tornarei-me
Poeta deixando de ser.
- Eu ficarei aqui. O mar é bonito
de se ver. Vou te ver lá.
Ficarás me olhando. Eu irei me
afogar e você não conseguirá fazer nada. Ficarás parado.
Dirás baixinho, olhando para as
ondas, para o bem longe, tentando me achar em tanto mar, dirás baixinho:
- Morreu. Morreu.
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