quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

pintura a ser feita

sopra o doce vento. naquela tarde, acima da manhã feita em confusão, eu. o incrédulo, me absorvi de conhaque. me lembrei de que havia prazeres curtos a vida. destinei a sai para a rua. andei a baixo o Sol tropical como um lagarto procurando fazer a digestão. digestão de uma vida em plena tarde de fevereiro. pouco tempo para pouco mais de vinte anos. mesmo tendo oitenta logo amanhã, qualquer ideia para mim é pouca. há muita imensidão para despejar ralo a baixo. como fazem a maioria com os seus sonhos. não quero isso. sob o Sol e o cheiro de cachorro perdido que o quintal de minha casa desvenda eu penso que amanhã será algo novo. saio pelas ruas e ando mais de dez quadras até achar uma alma viva. surpreenda-se você em plena capital nacional andar mais de dez quadras para achar uma alma viva. eu-viciado-na-vida-noturna ando mais do que isso a anos atrás de algo que se assemelhe a algo sincero, que dirá vivo. não entro em detalhes. dobro a av. Brasil e me deparo a um grupo de cachorros de rua soldando alguns lixos estacionários. espertos demais para isso tudo. quando rompe uma chuva. tensiono meus ombros e procuro um abrigo que não há. "assim caminha os brasileiros", penso em tom baixo. curiosamente não há carros, não há caminhões, nada que nos transporte de forma mais rápida. cidade se enclausurou somente hoje. passo por casal apaixonado embaixo de uma árvore. me chama a atenção o detalhe do chinelo da moça. não seu corpo mal feito, nem o corpo do rapaz destroçado pela vida medíocre, mas o pé dela. calcanhar levantado e unhas bem feitas. pé nu diante da imensidão do universo em pleno dia que nada deveria acontecer. me apaixono por ela ali. todos diriam que eu olhava o chão, mas não. olhava o pé dela. o jeito que sua perna esquerda sustentava o corpo inteiro enquanto a perna direita em suspensão aguentava, não em repouso, mas em sensualidade a delicadeza daquele pé direito em pose magistral. os idiotas diriam que o belo não existe mais, mas a eroticidade e beleza estavam ali. daria meu dia por aquele pé e aquele corpo. nada de palavras, nada pensamentos, nem de sonhos. totalmente desapegados pelo tempo e futuro. encarcerados pelo tempo ali. possuiria ela e ela me mataria em qualquer esquina, em qualquer banco de ônibus podre que esta nação possa produzir. mas ela não me olhava. nem o menino, nem nada. sujo, os meus pés me levavam a solidão de sempre. aos morros inexistentes de materialidade, mas suspensos no meu céu moral e intelectual. dentro de mim sofro de tempestades. de furacões. de terremotos. de ausências múltiplas. cada manhã é suplício para eu reagir ao próximo dia. mas que posso fazer se me fadigo fácil do real. quero deslizar ao outro lado. num jogo de xadrez eu seria o primeiro peão a se sacrificar pelo rebanho inteiro. mas nada disso é visível a olho nu. nos momentos de solidão me masturbo no banheiro de casa. como se escutasse o requiem de mozart. termino o serviço com um prazer tão rápido que a solidão só aumenta. que o sofrimento só se intensifica. que tudo em mim se torna desprezo. olho meu rosto no espelho depois e sinto repugnância por mim mesmo. vejo que estou bêbado e que o que queria da vida não se cumpriu. que a semana seguinte não irá chegar. que queria estar do outro lado do sonho. volto a rua e compro uma garrafa de água. é o que meu dinheiro suporta. corto o dedo com a tampa. vejo o pequeno corte e imagino um imenso rio de sangue cortando a cidade inteira. trazendo a descrença a todos os habitantes a essa cidade perdida. na terra há inúmeras cidades esquecidas. relíquias de destruição e esquecimento. museus a céu aberto que não leva a nada. e todos seguem esse jogo de nariz empinado. eu me vejo solitário. acreditando somente na desgraça e na vida sem ligar a televisão. escutando mozart enquanto ele me destroce. se tocar a melhor música de mozart o mundo não saberia ouvir. e vejo velhos homens velhos e mulheres velhas em pedaços esquecidos por todos. ali estou eu e aqui me encontro em dissonância com o mundo falando como um louco ao silêncio que me cerca desde o dia que eu nasci. e o cinzeiro vai aumento. e eu vou perdendo o controle de onde cada letra se encaixa em outra para formar uma simples palavra. não encontro. o silêncio se propaga. a voz que escuto é a minha. ou o desejo dela mesma falar comigo. só. acompanhado pela penumbra de meu silêncio. embora diga muito eu significo nada perante ao todo. fazendo o bem por costume e escrevendo por necessidade. sigo. só. devaneando. como o último suspiro antes de cair ao chão com um copo vazio de conhaque barato aos meus pés. minhas pernas atrofiam a cada segundo. e tudo está perdido. e o caminho se fecha mesmo ao sol que morre. morre. me dizem para morrer por favor. de fim ao começo. fumei a tarde inteira e me obriguei a estar com febre. obriguei a mulher que não tenho a entrar pela sala e reclamar de como estou. a pedir para colocar uma roupa. a limpar o fogão e pedir para colocar os livros no lugar. a procurar o que quero. mas o dia vai passar. vai vir outro e estarei sujo de meu próprio gozo solitário. sujo. como se estivesse procurando um novo sorriso sem graça, um novo pedido parar dividir uma cerveja barata. mas obrigado por pensar no bem ao meu lado. só. e quando vou parar de beber? de fumar? de repetir uma obscenidade não por desejo, mas por fraqueza, por desprezo a mim mesmo. a querer uma relação por que os outros querem ou por conformismo meu. me repilo. e de repente na rua me vejo na frente de uma padaria podre com um rapaz pobre e sujo pedindo dinheiro. dou meus últimos dois reais a ele. mas não são meus últimos dois reais e não são os últimos dois reais dele. são os primeiros a nos ligarem. e ele vai gastar aquilo com bebida e droga e eu vou gastar o mesmo depois com a mesma coisa. repetindo o ciclo perdido de todos os humanos. todos com uma cabeça feita de pouco de cabelo. pouca esperança, mas carregado de uma fé vinda de não sei da onde. e minha força se multiplica. encaro o mundo como se fosse possível atacá-lo em fogo. e a verdade assombra. e quando faço sexo com outra eu procuro romper o rio amazonas ao meio. criando ondas de devaneio em metade do país. saindo do jogo sujo da dialética besta que todos os políticos, jornalistas, depravados em geral enfim, se mantêm até hoje. e mesmo apesar de toda a reviravolta me vejo só. tendo a milhas de um igual a mim que não quer se aproximar. não descrente, mas absorto de tanto céu. de tanto chuva que me embriaga em meio a esta tarde seca de verão. de uma cidade desconhecida. de um mundo precário.  de um homem em construção como eu.

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