quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Apenas do lado de lá

Camarim. Ele olha o espelho e fala com aquele reflexo que aparece, enquanto se maquia. Há luzes apenas em volta do espelho. Todo o ambiente esta escuro.

A
Não entre lá com essa cara. Haverá cegos na platéia. Haverá gente surda. Gente com medo da morte. Com o esfíncter preso a maçaneta da porta de casa. Não entre lá dizendo palavras inteligíveis. Não! O que são palavras? Os surdos precisam vê-las. Precisam ver elas caindo de todos os lados, dançando em cada músculo, rompendo o ventre, a barriga, o esôfago, os tímpanos, dentes, querem vê-las ser vomitadas, ver o vômito. Os cegos querem saber o que você vomita. Que gosto tem? Que gosto eles tem? Sentir o calor vindo de seus pés, de seu pescoço. Não crave sua morte no altar. Enterre algo há mais. Algo além. Algo incompreensível pelas palavras. Mas sentida pelo cheiro, pela cor, pela nota, pela força, energia, os músculos tensos, ritmados e incontroláveis. Todos os orifícios, canais, portas, becos, janelas, convéns, recepção, feriado, tônicas, caixão, tudo aberto, exposto! Dance! É bolero! É tango, é qualquer vento! Vento! Vento! Vento! Um pequeno sopro de tirar todo o ar dos pulmões para depois pegar mais. Deixar a cabeça latejando, os olhos vermelhos e perdidos no ponto certo, e a garganta infiel a razão rangendo o corpo em eletro-choque. Mas se por acaso tudo se esvaziar, não... Não... Isso não acontecerá! Que digo? Já faz sentido? Qual deles? O que se passou? Onde? Agora? Foi? Na primeira fileira estará ele de novo. Com seu guarda-chuva preto encostado na cadeira. Os óculos escuros, a cabeça voltada para o queixo. Pequenos movimentos dos ombros. O peito quase como uma pedra, intacta! Imóvel. O corpo todo dele. Mas... E depois? E durante? Quem fará a sua parte? Que falas? Nunca! Jamais! Não sou desses aí. Foi o que pensei quando sai de lá. Mas nunca chegou nada em minhas mãos. Não como eu queria. Bem dobrada, boa caligrafia, belíssimo discurso, palavras, palavras e mais palavras lindas! Síncope! Limítrofe! Refutar! Cutícula! Película! Flor! "Será que por acaso a flor sabe que flor?" Ai! Ai! Canibais! Morderei todos, farei uma bola alimentícia de goma de energia! Cuspir venenos! A alma presa no solo, sendo carregada pelas nuvens até o teto, e a cada canto da sala, gritando, peidando, mijando, qualquer coisa que prove que o corpo esteja respirando, operando a favor da vida! Da existência! Queimarei cada partícula de segundo. E depois de minha morte, após doar o meu corpo, meus órgãos, respeitarei os seus silêncios.

Nenhum comentário:

Postar um comentário